quarta-feira, 28 de abril de 2010

PARAR DE BEBER É FÁCIL



Parar de beber é tão fácil que não há alcoólatra no mundo que já não tenha parado de beber dezenas de vezes. Algumas delas – é verdade – duram não mais do que uma tarde ou noite. Nesse período, contudo, o alcoólatra jurou a si próprio que jamais voltaria a beber.

Geralmente essas decisões solenes de se manter afastado do copo vêm na manhã seguinte de algum imenso pileque. A cabeça ainda está zonza, dói tanto que parece que há um martelo batendo no crânio; a boca está amarga e seca, o estômago em brasa, o corpo todo intoxicado. Nesse estado típico de uma “ressaca”, vão reaparecendo, aos poucos, as lembranças da noite anterior: os vexames, as inconveniências, os despautérios. Acrescenta-se à ressaca física, a ressaca moral. Isso quando ressurgem as lembranças, pois muitas vezes o alcoólatra enfrenta a terrível angústia de não se lembrar de nada do que fez – o famoso “branco”.

De tantas ressacas e vexames, o alcoólatra pára de beber por meses e até por anos. Que alívio! Parece que não padece mais daquela irresistível compulsão. Nem sente mais vontade de beber: vai às festas e nem se liga no garçom. Sinceramente, não sente mesmo mais falta da bebida. Nem sonha mais com ela...

Ora, com justa razão imagina-se curado. Não é mais alcoólatra. É uma pessoa como outra qualquer.


DIFÍCIL É NÃO VOLTAR A BEBER


Embalado nessa crença, estabelece a taxativa distinção: “beber é uma coisa, ser alcoólatra, outra”.

Por via das dúvidas, contudo, não convém arriscar. Nada de whisky, conhaque ou cachaça. Ele já sofreu demais e respeita o álcool. Agora, uma cervejinha gelada – só uma – ou um gole de vinho branco, também geladinho, não hão de fazer mal a ninguém.

De fato, nada acontece. Naquele dia. No dia seguinte, porém, à mesma hora, ele se lembra do dia anterior. E, pela primeira vez, volta a sentir uma vontadezinha de beber. Tenta se controlar. Aí vêm aquelas idéias que até parecem sopradas por Satanás: “Mais um golinho não vai fazer mal! Hoje só. Amanhã você pára de vez. Só para matar a saudade!”.

Talvez tome mais uma bebidinha, talvez não tome, mas recomeça a tortura: a vontade de beber volta e a luta contra ela leva-o à exaustão; até nos sonhos ele está bebendo ou louco para beber e já acorda pensando nisso. Sua vida se reduz a isso.

Nesse estado, a mente lhe propõe um pacto: “Volte a beber, mas só a noite. Com moderação. E só bebidas fraquinhas, ou bebidas forte com muito gelo e soda, em dose bem diluída, para render e não dar pileque”. Às vezes ele tolera esse pacto por alguns dias. Mas a vontade de beber não se modera, nem se sacia. Manifesta-se cada vez com mais força. Aí ele volta a beber com a mesma fúria de antes. Talvez até com fúria maior, para ir à forra de todo aquele período em que não bebeu. Bebe tudo que bebia antes, mais tudo que deixou de beber.

Procura médicos e hospitaliza-se. Toma todo o tipo de remédio. Desintoxica-se, descansa a cabeça. Se tem dinheiro, vai ao psicanalista ou psicologo.

Mas nada resolve. Novamente pára um tempo de beber, para depois voltar ao álcool com voracidade redobrada.
VANDER CAMPELLO http://www.vandercampello.rg3.net/

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