sexta-feira, 30 de abril de 2010

A trajetória e o horror do crack



Archimedes Marques * 28.04.10
Os fatos criminosos, as consequências horripilantes na área social e familiar e o sortilégio causado ao usuário do crack, comprovam que essa droga, sem sombras de dúvidas, é mais perigosa do que todas as outras juntas.
De poder avassalador e sobrenatural, o crack sempre vicia o usuário quando do seu primeiro experimento e o que vem depois é a tragédia certa. Crack e desgraça são indissociáveis e quase palavras sinônimas. O crack é a verdadeira degradação humana.
Há alguns anos atrás, quando o crack foi introduzido no Brasil, em especial em São Paulo, seu uso estava praticamente restrito a classe paupérrima da nossa sociedade devido ao seu baixo custo de venda, começando assim a sua trajetória com os moradores de rua que eram viciados em álcool, maconha ou em cheirar cola e que assim viam naquela nova e poderosa droga mais barata e acessível, a pretensa solução para resolver ou para esquecer seus problemas.
Na época as autoridades constituídas viviam as ilusões de que esse subproduto da cocaína não sairia do consumo dos mendigos, dos pobres, dos desafortunados e dos desgraçados, por isso pouco se importavam com a problemática, contudo, o seu consumo rompeu esse quadrilátero, conquistou as demais classes sociais, expandindo-se rapidamente, virando uma epidemia nacional e aí, diante do clamor público, o Estado passou a correr atrás do prejuízo.
A dimensão da tragédia é difundida nos diversos Estados da Nação através de reportagens jornalísticas que comprovam o retrato devastador em todos os lugares possíveis e imagináveis aonde chegou o filho mortal da cocaína. O crack invadiu grandes e pequenas cidades, periferias e lugares de baixa a alta classe social, municípios, povoados, zona rural e já chegou até às aldeias indígenas.
O fracasso da política antidrogas do governo federal é estampado nos quatro cantos do Brasil. A cada reportagem televisiva assistimos, atônitos, pessoas adultas, jovens, adolescentes e crianças consumindo o crack, deitados no chão das praças, das calçadas, debaixo dos viadutos, das marquises, sem se incomodarem com nada ou mesmo correndo em desespero, vivendo aquele mundo imaginário, sem perspectiva de vida alguma. Meninos e meninas na flor da idade se prostituem até por 1 real e praticam qualquer ato ou tipo de crime possível em busca do crack. Famílias inteiras se desesperam vendo os seus entes queridos buscando o fundo do poço pelo crack.
O crack trás a morte em vida do seu usuário; arruína a vida dos seus familiares e vai deixando rastros de lágrimas, sangue e crimes de toda espécie na sua trajetória maligna. Assistimos recentemente com imensa tristeza e pesar uma reportagem mostrada na TV Record em que crianças recém nascidas de mães viciadas em crack, são também barbaramente atingidas pelos efeitos nefastos da droga. Nascem como se viciadas fossem, com crises de abstinências, com compulsão à droga, tremores, calafrios e com problemas físicos diversos, principalmente com lesões no cérebro que provavelmente os levarão às demências ou a outros tipos de problemas inerentes, ou seja, uma nova geração de vítimas do crack sem sequer ter consumido a droga por vontade própria. A maioria das mães drogadas também perde o instinto materno e terminam doando os seus filhos debilitados.
Ao contrário da maioria das drogas, o crack não tem origem ligada a fins medicinais, muito pelo contrário, ele nasceu para alterar o estado mental do usuário, para viciá-lo de maneira sobrenatural e para aniquilar todos os seus órgãos, levando-o a uma morte breve, mas sofrível para si e para todos que o cercam.
A cocaína gerou o crack para terminar de arrasar as diversas gerações que dele buscam sensações diferentes, mas que não imaginam que na verdade caminham para a desgraça absoluta. Achando pouco os efeitos insanos da droga-mãe, o homem adicionou ao lixo do processo da sua fabricação, alguns produtos químicos altamente nocivos e perigosíssimos para a saúde humana para depois repassá-la ao seu semelhante como passaporte para a morte.
Absurdamente são adicionados à borra da cocaína para compor uma fórmula maligna e cruel, a amônia que é usada em produtos de limpeza, o ácido sulfúrico que é altamente corrosivo e usado em baterias automotivas, querosene, gasolina ou outro tipo de solvente que é para dar a combustão ao produto e, para render aumentando a sua lucratividade, a cal virgem, ou cal viva que também é tóxica e usada em construções ou plantações, que ao serem misturados e manipulados se transformam numa pasta endurecida de cor branca caramelizada onde se concentra mais ou menos 40% a 50% de cocaína. Assim nasceu o crack para o bem do traficante, para o mal da sociedade e para o horror da humanidade.
A fumaça altamente tóxica do crack é rapidamente absorvida pela mucosa pulmonar excitando o sistema nervoso, causando euforia e aumento de energia ao usuário, com isso advém, a diminuição do sono e do apetite com a conseqüente perda de peso bastante expressiva. Logo o usuário sente a aceleração ou diminuição do ritmo cardíaco, dilação da pupila e a elevação ou diminuição da pressão sanguínea, ou seja, uma transformação total da sua normalidade física.
Com o tempo o crack causa destruição de neurônios e provoca ao seu usuário a degeneração dos músculos do seu corpo, conhecida na medicina como rabdomiólise, o que dá aquela aparência esquelética ao indivíduo, ou seja, ossos da face salientes, pernas e braços finos e costelas aparentes.
O usuário do crack pode ter convulsão e como conseqüência desse fato, pode levá-lo a uma parada respiratória, coma ou parada cardíaca e enfim, a morte. Além disso, para o debilitado e esquelético sobrevivente seu declínio físico é assolador, como infarto, dano cerebral, doença hepática e pulmonar, hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), câncer de garganta e traquéia, além da perda dos seus dentes, pois o ácido sulfúrico que faz parte da composição química do crack assim trata de furar, corroer e destruir a sua dentição.
O crack vai destruindo o seu usuário em vida ao ponto dele perder o contato com o mundo externo, se tornando uma espécie de zumbi, ou morto-vivo, movido pela compulsão à droga que é intensa e intermitente. Como os efeitos alucinógenos têm curta duração, o usuário dela faz uso com muita freqüência e a sua vida passa a ser somente em função da droga.
Ainda não existem estatísticas oficiais nos Estados brasileiros que venham a comprovar o rastro da devassidão e desgraça causada pelo crack, entretanto já se comentam que as vítimas fatais mensais superam em dobro as vítimas de acidentes de trânsito, e em assim sendo, considerando que o Brasil sempre está nas primeiras colocações em mortes de transito no contexto mundial, conclui-se, portanto, que estamos caminhando para o caos absoluto por conta dessa droga.
Pelas matérias jornalísticas observa-se que o Estado do Rio Grande do Sul é o mais atingido pela tragédia do crack. Segundo o Jornal Zero Hora, há cinco usuários de crack para cada grupo de mil gaúchos, enquanto que é previsto para até o final do ano de 2012, apesar da grande taxa de mortalidade, que essa população de zumbis alcance o número de 300 mil componentes.
Já aqui no nordeste, mais de perto em Salvador, capital da Bahia, é fato em notícia que 80% das pessoas com idade entre 12 a 25 anos que vem a óbito são egressos do crack e morrem do crack ou pelo crack.
A dificuldade que o dependente do crack tem ao querer deixar o seu consumo também é imensa e requer uma força de vontade fora do comum, diferente do que acontece com os usuários das outras drogas.
A Universidade Federal de São Paulo atestou uma pesquisa que acompanhou a trajetória de 131 usuários de crack após 12 anos da saída dos mesmos de um hospital de tratamento, chegando a seguinte conclusão: Apenas 33% se recuperaram e venceram a droga, enquanto que 67% foram derrotados, e desse número, 17% continuavam dependentes, 20% desapareceram, 10% estavam presos e 20% foram mortos em decorrência do mal da droga ou assassinados por conta dela.
Conclui-se assim que estamos caminhando para uma espécie de genocídio, ou seja, morte em massa decorrente de ações de uma causa só, conforme previu o traficante colombiano Carlos Lehder Rivas, preso e condenado nos Estados Unidos da América em 1985, ao afirmar naquela data que o crack seria a terceira bomba atômica a ser lançada contra a humanidade e que iriam morrer mais pessoas do que todas as guerras mundiais juntas.
Correndo contra o tempo o Ministério da Saúde lançou um Programa emergencial em junho de 2009 que prevê investimentos na ordem de 118 milhões de reais até o fim de 2010, com proposta de aumentar o número de leitos e de profissionais dedicados à saúde mental, assim como, de instalações de novos núcleos de apoio à saúde da família e centros de atenção psicossocial, entretanto, essa verba, mostra-se pequena para a extensão da gravidade do problema.
Enquanto isso, milhares de pessoas no Brasil ingressam na Justiça com ações contra o Estado pleiteando direito à indenização ou ao tratamento adequado em clínicas particulares para os seus familiares viciados que estão vivendo o drama do crack. Nesse sentido o Estado de Sergipe é exemplo nacional através do Juiz de Direito da Comarca de São Cristóvão, Manoel Costa Neto, que além de desenvolver um trabalho de conscientização contra os riscos do uso dessa droga, vem decidindo em sentenças justas e humanitárias, através das ações individuais apoiadas pelo Ministério Público e posteriormente por conta de uma Ação Civil Pública ingressada pela Defensoria Pública, que todo aquele dependente químico, principalmente do crack, que reside dentro da circunscrição daquele município, já pode ter do Governo a compensação no seu tratamento, ou seja, o Estado está sendo obrigado a arcar com as despesas dos drogados em clínicas particulares.
O crime organizado continua investindo pesado do tráfico de drogas. Muita cumplicidade perversa promove e mantém o crack no seio da nossa sociedade. Tudo prolifera e floresce com muito arranjo sinistro. A política de repressão ao tráfico não esta sendo suficiente para conter o avanço do crack. A Polícia, apesar de todos os esforços empreendidos, com prisões e apreensões diariamente de muitos traficantes e de grandes quantidades de crack, não é forte o bastante para vencer essa batalha.
Assistimos também desolados, jovens e crianças abandonando as escolas e recrutados pelo tráfico em troca do crack e algumas migalhas em dinheiro. O documentário apresentado pela Rede Globo no programa Fantástico no ano de 2006 denominado "Falcão - meninos de tráfico" comprovou essa triste realidade brasileira. Durante as gravações, 16 dos 17 meninos "falcões" entrevistados morreram, sendo 14 em apenas três meses, vítimas da violência na qual estavam inseridos.
Por sua vez, apesar de tudo isso, apesar dessa realidade brutal e com perspectivas de piorar ainda mais a sua problemática, sentimos o poder público ainda meio tímido, sem verdadeira vontade política para debelar tal situação.
O Estado tem a obrigação de investir em massa não só na área curativa do mal, mas também na repressão e principalmente na prevenção que é a raiz da problemática, elaborando projetos que efetivamente influenciem os nossos jovens a nunca experimentar droga alguma, em especial o crack, ou então teremos taxas de mortalidade inaceitáveis com o suposto genocídio em ação, tragédias familiares e sociais no extremo, além do aumento geométrico da criminalidade, destarte para os crimes de furto, roubo, homicídio e latrocínio por conta dessa droga avassaladora.
Aliados a tais medidas governamentais é preciso também da conscientização popular principalmente na área da educação. Dentre as formas de prevenir está a questão de se oferecer atividades escolares extracurriculares que despertem mais atenção dos estudantes, além de um convívio mais profundo e dialogado entre alunos com professores, psicólogos e especialistas, assim como, entre pais e filhos, para enfim, lutarmos com todas as forças possíveis contra essa epidemia. Não podemos achar que a polícia e a medicina resolverão os problemas, que, muitas vezes, se iniciam nos lares, escolas, festas, shoppings centers e outros lugares de convivência social, principalmente dos jovens, mais expostos, por vários motivos, à atração do mundo das drogas.

* Delegado de Polícia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica em Segurança Pública pela UFS

quarta-feira, 28 de abril de 2010

PARAR DE BEBER É FÁCIL



Parar de beber é tão fácil que não há alcoólatra no mundo que já não tenha parado de beber dezenas de vezes. Algumas delas – é verdade – duram não mais do que uma tarde ou noite. Nesse período, contudo, o alcoólatra jurou a si próprio que jamais voltaria a beber.

Geralmente essas decisões solenes de se manter afastado do copo vêm na manhã seguinte de algum imenso pileque. A cabeça ainda está zonza, dói tanto que parece que há um martelo batendo no crânio; a boca está amarga e seca, o estômago em brasa, o corpo todo intoxicado. Nesse estado típico de uma “ressaca”, vão reaparecendo, aos poucos, as lembranças da noite anterior: os vexames, as inconveniências, os despautérios. Acrescenta-se à ressaca física, a ressaca moral. Isso quando ressurgem as lembranças, pois muitas vezes o alcoólatra enfrenta a terrível angústia de não se lembrar de nada do que fez – o famoso “branco”.

De tantas ressacas e vexames, o alcoólatra pára de beber por meses e até por anos. Que alívio! Parece que não padece mais daquela irresistível compulsão. Nem sente mais vontade de beber: vai às festas e nem se liga no garçom. Sinceramente, não sente mesmo mais falta da bebida. Nem sonha mais com ela...

Ora, com justa razão imagina-se curado. Não é mais alcoólatra. É uma pessoa como outra qualquer.


DIFÍCIL É NÃO VOLTAR A BEBER


Embalado nessa crença, estabelece a taxativa distinção: “beber é uma coisa, ser alcoólatra, outra”.

Por via das dúvidas, contudo, não convém arriscar. Nada de whisky, conhaque ou cachaça. Ele já sofreu demais e respeita o álcool. Agora, uma cervejinha gelada – só uma – ou um gole de vinho branco, também geladinho, não hão de fazer mal a ninguém.

De fato, nada acontece. Naquele dia. No dia seguinte, porém, à mesma hora, ele se lembra do dia anterior. E, pela primeira vez, volta a sentir uma vontadezinha de beber. Tenta se controlar. Aí vêm aquelas idéias que até parecem sopradas por Satanás: “Mais um golinho não vai fazer mal! Hoje só. Amanhã você pára de vez. Só para matar a saudade!”.

Talvez tome mais uma bebidinha, talvez não tome, mas recomeça a tortura: a vontade de beber volta e a luta contra ela leva-o à exaustão; até nos sonhos ele está bebendo ou louco para beber e já acorda pensando nisso. Sua vida se reduz a isso.

Nesse estado, a mente lhe propõe um pacto: “Volte a beber, mas só a noite. Com moderação. E só bebidas fraquinhas, ou bebidas forte com muito gelo e soda, em dose bem diluída, para render e não dar pileque”. Às vezes ele tolera esse pacto por alguns dias. Mas a vontade de beber não se modera, nem se sacia. Manifesta-se cada vez com mais força. Aí ele volta a beber com a mesma fúria de antes. Talvez até com fúria maior, para ir à forra de todo aquele período em que não bebeu. Bebe tudo que bebia antes, mais tudo que deixou de beber.

Procura médicos e hospitaliza-se. Toma todo o tipo de remédio. Desintoxica-se, descansa a cabeça. Se tem dinheiro, vai ao psicanalista ou psicologo.

Mas nada resolve. Novamente pára um tempo de beber, para depois voltar ao álcool com voracidade redobrada.
VANDER CAMPELLO http://www.vandercampello.rg3.net/