terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Brasil tem mais mortes por alcoolismo



De 2000 a 2006, taxa de óbito por doença ligada a consumo de bebida subiu 18%; dado real deve ser ainda maior

Lígia Formenti, BRASÍLIA
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A taxa de mortalidade por doenças associadas ao alcoolismo subiu de 10,7 para 12,64 óbitos por 100 mil habitantes em seis anos. Os dados, revelados em uma pesquisa feita pelo Ministério da Saúde, comparam os números registrados em 2000 e 2006 e, na avaliação de especialistas, pode ser ainda maior. "Esta é uma amostra do grave problema de saúde pública provocado pelo excesso de bebida", afirma a coordenadora do Departamento de Análise de Situação de Saúde do Ministério da Saúde, Deborah Malta.

No período analisado, foram contabilizados 146.349 óbitos associados ao consumo do álcool, o que dá uma média de 57 mortes por dia. Desse total, 92.946 estão plenamente ligadas ao excesso de bebida. Todas elas são consideradas como mortes evitáveis. "O tratamento da dependência ao álcool é difícil, com taxas baixas de sucesso", diz Deborah. "Mas é possível prevenir, e é nesse ponto que temos de melhorar as estratégias."

A elevação da taxa de óbitos demonstrada no levantamento é atribuída principalmente à melhor captação dos dados, considerados ainda subestimados. A pesquisa mostra apenas uma parcela do problema, a de doenças crônicas provocadas pelo uso da bebida. "Não podemos nos esquecer que, em casos de violência, boa parte das vítimas ou agressores está alcoolizada", afirma Deborah.

Além disso, uma parcela significativa dos acidentes de trânsito é provocada pela associação da bebida com direção. "Se somarmos todos esses fatores, veremos que o número de vítimas é muito maior", completa.

Mesmo subestimados, os números do trabalho mostram a importância da adoção imediata de ações para garantir a prevenção do problema, afirma o psiquiatra e conselheiro do Conselho Regional de Medicina de SP, Mauro Aranha. "É um erro achar que bebida alcoólica só faz mal para quem a consome. Acidentes de trânsito e os números da violência estão aí para desmentir isso", completa.

A maior parte das mortes diretamente ligadas ao uso da bebida ocorre entre 30 e 59 anos, sobretudo entre homens. Mas a pesquisa mostra que as mortes relacionadas à bebida ocorrem em todas as faixas etárias, incluindo crianças e jovens. No período analisado, por exemplo, foram confirmados seis mortes por envenenamento por álcool entre 0 e 4 anos. Na faixa entre 5 e 9 anos foram seis mortes por essa causa. Entre 2000 e 2006, 271 crianças e jovens entre 0 e 19 anos morreram por causa da bebida - 231, entre 15 e 19 anos.

IGUALDADE DE GÊNERO

Os dados da pesquisa são ainda mais preocupantes quando comparados com outros trabalhos do ministério. Um deles aponta o aumento do consumo excessivo de bebidas entre mulheres. Batizada de Vigitel, a pesquisa, feita em várias partes do País por telefone, procurou, entre outros assuntos, saber o quanto o brasileiro consome bebidas "em binge". O termo é usado todas as vezes que um homem consome, de uma só vez, cinco doses ou mais de bebida. Para mulheres, é considerado beber em binge quando a ingestão é superior a quatro doses em um único episódio.

Quando foi feito pela primeira vez, em 2006, a pesquisa mostrou que 8,1 das mulheres bebiam em binge. Dados provisórios de 2008 mostram que 11% das mulheres apresentam esse novo padrão de consumo. Para Deborah, essa mudança é fruto, entre outras coisas, da maior pressão da propaganda. "Até pouco tempo, as campanhas tinham como maior alvo os homens. Mas isso está mudando."

O coordenador da Unidade de Pesquisa de Álcool e Drogas (Uniad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira, não se espanta com a nova tendência. "É um fenômeno semelhante com o que ocorreu no tabagismo. A igualdade entre gêneros ocorre em todas as áreas. Não há só benefícios. Os riscos de doenças entre grupos também tendem a se igualar", observa.

O levantamento preliminar de 2008 mostra ainda que 29% dos homens disseram beber em binge. "Enquanto a política do álcool for ditada pela indústria, vamos ouvir esse tipo de notícia", avalia Laranjeira. Ele afirma que é fundamental assegurar a proibição de bebidas entre jovens, melhorar a fiscalização para evitar a associação de álcool e direção e colocar regras claras e severas para propaganda. "Mas o que assistimos é o oposto, é a apatia."

Como exemplo, ele cita a demora na avaliação do projeto que dá uma nova classificação para bebidas alcoólicas - ponto de partida para reduzir as propagandas. Ele lembra também da pouca fiscalização da lei seca e, o pior: a facilidade com que jovens têm acesso à bebida. "Enquanto isso não mudar, a tendência é só uma: o número de acidentes, de abusos e doenças aumentar."



NÚMEROS

146 mil mortes
relacionadas ao consumo de álcool foram registradas no Brasil entre 2000 e 2006

57 por dia
é a média do número de óbitos, no período, associados ao álcool

92 mil
óbitos registrados entre 2000 e 2006 estão diretamente ligados ao alcoolismo

11% das mulheres
entrevistadas por uma pesquisa do Ministério da Saúde afirmam beber sempre, no mínimo, quatro doses de bebida alcoólica

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

CRACK



Crack é uma droga feita a partir da mistura de cocaína com bicarbonato de sódio geralmente fumada.[1] Chega ao sistema nervoso central em dez segundos, devido ao fato de a área de absorção pulmonar ser grande. Em relação ao seu preço, é uma droga mais barata que a cocaína.[2]

O uso de cocaína por via intravenosa foi quase extinto no Brasil, pois foi substituído pelo crack, que provoca efeito semelhante, sendo tão potente quanto a cocaína injetada. A forma de uso do crack também favoreceu sua disseminação, já que não necessita de seringa — basta um cachimbo, na maioria das vezes improvisado, como uma lata de alumínio furada, por exemplo.

O crack eleva a temperatura corporal, podendo causar no dependente um acidente vascular cerebral. A droga também causa destruição de neurônios e provoca a degeneração dos músculos do corpo (rabdomiólise), o que dá aquela aparência característica (esquelética) ao indivíduo: ossos da face salientes, braços e pernas finos e costelas aparentes. O crack inibe a fome, de maneira que os usuários só se alimentam quando não estão sob seu efeito narcótico. Outro efeito da droga é o excesso de horas sem dormir, e tudo isso pode deixar o dependente facilmente doente.

O usuário de crack se torna completamente viciado na droga em pouco tempo. Normalmente o dependente, após algum tempo de uso da droga, continua a consumi-la apenas para fugir do desconforto da síndrome de abstinência — depressão, ansiedade e agressividade —, comum a outras drogas estimulantes.

Após o uso, a pessoa apresenta quadros de extrema violência, agressividade que se manifesta a princípio contra a própria família, desestruturando-a em todos os aspectos, e depois, por consequência, volta-se contra a sociedade em geral, com visível aumento do número de crimes relacionados ao vício em referência[1].

O uso do crack — e sua potente dependência psíquica — frequentemente leva o usuário à prática de delitos, para obter a droga. Os pequenos furtos de dinheiro e de objetos, sobretudo eletrodomésticos, muitas vezes começam em casa. Muitos dependentes acabam vendendo tudo o que têm a disposição, ficando somente com a roupa do corpo. Se for mulher, não terá o mínimo escrúpulo em se prostituir para sustentar o vício. O dependente dificilmente consegue manter uma rotina de trabalho ou de estudos e passa a viver basicamente em busca da droga, não medindo esforços para consegui-la. É bom ressaltar que embora seja uma droga mais barata que a cocaína, o uso do crack acaba sendo mais dispendioso: o efeito da pedra de crack é mais intenso, mas passa mais depressa, o que leva ao uso compulsivo de várias pedras por dia.

As chances de recuperação dessa doença, que muitos especialistas chamam de "doença adquirida" (lembrando que a adição não tem cura), são muito baixas, pois exige a submissão voluntária ao tratamento por parte do dependente, o que é difícil, haja vista que a "fissura", isto é, a vontade de voltar a usar a droga, é grande demais. Além disso, a maioria das famílias de usuários não tem condições de custear tratamentos em clínicas particulares ou de conseguir vagas em clínicas terapêuticas assistenciais, que nem sempre são idôneas. É comum o dependente iniciar, mas abandonar o tratamento.

Seis vezes mais potente que a cocaína, o crack tem ação devastadora provocando lesões cerebrais irreversíveis; porém, ao contrário do que se poderia imaginar, não são as complicações de saúde pelo uso crônico da droga, mas sim os homicídios que constituem a primeira causa de morte entre os usuários, resultantes de brigas em geral, ações policiais e punições de traficantes pelo não-pagamento de dívidas contraídas nesse comércio; outra causa importante são as doenças sexualmente transmissíveis, como o HIV, por exemplo, por conta do comportamento promíscuo que a droga gera.

Um estudo[3] O pesquisador Marcelo Ribeiro de Araújo acompanhou 131 dependentes de crack internados em clínicas de reabilitação e concluiu que usuários de crack correm risco de morte oito vezes maior que a população em geral. Cerca de 18,5% dos pacientes morreram após cinco anos. Destes, cerca de 60% morreram assassinados, 10% morreram de overdose e 30% em decorrência de aids.

Estatísicas demonstram um aumento percentual do consumo de crack em relação às outras drogas, vindo seus usuários tanto de camadas sociais mais variadas. Outros estudos relacionam a entrada do crack como droga circulante em São Paulo ao aumento da criminalidade e da prostituição entre os jovens, com o fim de financiar o vício. Na periferia da cidade de São Paulo, jovens prostitutas viciadas em crack são o nicho de maior crescimento da aids no Brasil.

Outras drogas, sobretudo a cocaína, funcionam, via de regra, como porta de entrada para o crack a que o usuário recorre por falta de dinheiro, para sentir efeitos mais fortes, ou ainda por curiosidade. Assim, na degenerescência do vício, o crack aparece como o degrau mais baixo (o "fundo do poço")[2].

O efeito social do uso do crack é o mais deletério entre as drogas normalmente encontradas no Brasil. A droga arruína de tal forma a vida do consumidor do produto que, segundo se diz, de início as próprias quadrilhas de traficantes do Rio de Janeiro não permitiam a sua entrada. Entretanto, recentes reportagens demonstram que a realidade já é bem diversa, e o entorpecente tornou-se o mais comercializado nas favelas cariocas. Atualmente, pode-se dizer que há uma verdadeira "epidemia" de consumo do crack no País, atingindo cidades grandes, médias e pequenas.